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Fev 09
 
Samuel Fuller é um dos grandes realizadores Norte-americanos. Apesar de não ser tão reconhecido como alguns dos seus conterrâneos foi um realizador que nunca se sentiu inibido em fazer filmes sobre os mais variados e polémicos temas. Durante a sua carreira realizou vinte e três filmes, que se distinguiam pelos seus baixos orçamentos, personagens marginalizadas e forte consciência social. A sua carreira influenciou realizadores da Nouvelle Vague francesa como Jean-Luc Godard e outros grandes realizadores americanos como Martin Scorsese, Quentin Tarantino e Jim Jarmusch.
 
Apesar da riqueza da sua obra, quando White Dog foi lançado em 1982 foi atacado por grande parte da crítica americana, acabando por ser retirado das salas de cinema pela Paramount Pictures. As críticas incidiam sobre o facto de o filme ser racista. Vinte e sete anos depois disto acontecer, vejo o filme e pergunto: mas como é possível alguém considerar este um filme racista?
 
A premissa do filme é bastante simples. Uma jovem actriz atropela um cão e sentindo-se culpada acaba por ficar com ele. O cão já não era jovem e acabaria por revelar-se um cão de ataque, que tinha sido treinado especialmente para atacar pessoas negras. A jovem rapariga afeiçoa-se ao animal e apesar de alguns ataques perpetuados pelo cão ela não o quer abater, levando-o a um treinador negro para o desprogramar.
 
Através do parágrafo anterior dá para notar que a intenção de Fuller foi fazer um paralelismo entre o racismo incutido no cão e o racismo que existia na sociedade americana (e no mundo). O racismo do cão devia-se ao facto de ter sido treinado desde pequeno a primeiro temer e depois odiar negros. Este racismo era algo irracional no cão, um sentimento que se devia à educação que este tivera e à reacção defensiva que este tinha desenvolvido. A grande questão que o filme levanta é se este medo irracional de algo diferente e o ódio que dele resulta pode ou não ser curado.
 
As pessoas racistas estão personificadas no cão e as questões colocadas no filme servem exactamente para reflectirmos se é ou não possível acabar com o racismo na nossa sociedade. O fim do filme é algo ambíguo a responder a essa questão. Se por um lado o cão acabar por aceitar o treinador, que é da cor que ele tanto odeia, por outro lado acaba por ficar num estado em que é impossível saber quem ele atacará a seguir. Penso que o objectivo de Fuller também não era responder à questão, mas sim levanta-la de modo a pensarmos nela e a discutirmos, portanto a forma como conta a história serve o seu propósito.
 
Deixando o assunto do filme e focando mais os aspectos técnicos do mesmo, é impossível ver este filme e não realçar três aspectos. O primeiro é o facto deste filme ser realizado por quem sabe o que está a fazer, desde os planos à tensão criada ao longo do filme constata-se que Fuller domina a sua arte. O segundo aspecto é algo que eleva qualitativamente o filme: a banda sonora é composta por Ennio Morricone, e não é preciso dizer mais nada pois o nome fala por si. Por fim, algo que não abona muito a favor do filme e é sem dúvida o seu calcanhar de Aquiles: as interpretações. Com excepção de Paul Winfield (o treinador), os actores roçam quase o amadorismo. É uma pena não terem conseguido arranjar alguém melhor que Kristy McNichol (a rapariga que encontra o cão) para protagonista, já que a sua interpretação é sofrível ao longo de todo o filme (o que é mais irónico e algo caricato nisso é que ela interpreta uma actriz que está com dificuldades para arranjar trabalho).
 
White Dog é, sem a menor dúvida, um filme que, apesar de ter nas interpretações o seu ponto fraco, deve ser visto. É uma história com bom ritmo, intensa e principalmente faz-nos pensar na origem do racismo e na relação entre raças. Não se compreende assim como foi possível este filme ter sido proibido nos Estados Unidos nos anos 80.

 

Nota: E cá está a primeira entrada da "Colecção Criterion". Acho que comecei bem. Foi um bom filme. Espero que continuem a sair-me pérolas destas. :)


5 comentários:
Excelente crítica !!!!!!!!
André Pereira a 12 de Fevereiro de 2009 às 14:25

Ainda bem que já não sou o único a ter visionado este excelente filme. Boa crítica. Se tiveres curiosidade em ler aquilo que escrevi acerca desta película, favor aceder: http://additionalcamera.blogspot.com/2009/01/white-dog-manifesto-contra-o-racismo.html. Abraço!

Participa na sondagem "Melhor James Bond com Roger Moore” até ao dia 12 de Março 2009, em http://additionalcamera.blogspot.com. Só faltam 10 dias!!

Óptima critica.
Acabei agora de ver o filme e também não compreendi a razão por ter sido considerado racista, na altura em que foi feito.

A mensagem é bastante simples: o facto do racismo surgir através da educação ou das experiências interiorizadas por alguém (neste caso o cão, que foi educado através de maus tratos, propositados, por pessoas de origem africana, interiorizando a componente "cor de pele" como característica para se defender através do ataque) e até que ponto o racismo é algo que pode ser solucionado ou não. Ainda foca a intolerância das pessoas (a maioria das personagens opta pela morte do animal, sem tentar reeduca-lo).

Um bom filme. :)
Cláudia a 4 de Abril de 2010 às 18:29

Obrigado pelo comentário e elogio. Passei pelo teu blog e gostei muito do que vi. Acho que ganhaste um seguidor. :)
Luís Costa a 5 de Abril de 2010 às 20:06

Uma boa crítica, parabéns. É o melhor filme sobre racismo que já vi. Só duas coisas em que não concordo: As interpretações são boas. É certo que a Kristy McNichol não é a Meryl Streep, mas acha que a Meryl Streep serviria para o papel? Não acho. Outro actor que não refere é o Burl Ives, vencedor de um Oscar. Acha mesmo que o dono da empresa que fornece os animais roça o amadorismo?...
Há uma coisa chamada "casting", ou seja, não vamos colocar o Marco Paulo a cantar Xutos nem vice-versa.
A Kristy McNichol celebrizou-se na TV e talvez não seja de altos voos, mas está adequada para o papel, já que o Samuel Fuller consegue-lhe extrair uma certa ingenuidade, que, quanto a mim, se encaixa perfeitamente.
Não conhecia este blog e acho que começou com um filme excelente.
david a 29 de Julho de 2011 às 02:47

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