Nota: Crítica publicada no Red Carpet. Revista e Forúm.
Persepólis chegou a Portugal com uma nomeação para o Oscar de melhor filme de animação e o grande prémio do júri, em Cannes. Estas premiações fazem todo o sentido depois de se ver este louvado e excelente filme de animação. Grande parte da qualidade desta obra advém do talento de Marjane Satrapi, a autora dos 4 volumes da banda desenhada Persepólis, e co-realizadora (com Vincent Paronnaud) do filme. Esta é uma obra autobiográfica ou, como a sua criadora gosta de designar, uma autoficção, pois não é absolutamente fiel à realidade.
Marjane é iraniana, nascida em 1969, em Teerão. É importante mencionar este facto, pois além do filme ser uma “pintura” da vida de Satrapi, também é uma amostra de uma parte da história do Irão. A crónica de vida da autora começa em 1978, quando Satrapi tinha apenas 9 anos e o Irão ainda era uma monarquia ditatorial, e acaba em 1994. Filha de pais ricos, a pequena Satrapi vivia feliz com a sua família, até que rebenta a revolução islâmica, que a inicio parecia trazer melhorias no país, mas acabou por demonstrar-se bastante nefasta. Regido por extremistas islâmicos, o Irão começou a aplicar regras rigorosas, assentes na religião, que levaram à opressão do povo e principalmente das mulheres. Extrovertida, expansiva e pouco submissa, Satrapi teve muitas dificuldades em adaptar-se a esta nova situação, arranjando regularmente problemas com as autoridades. O que levou os seus pais a obrigarem-na a viajar para o estrangeiro, onde cresceu e arranjou a sua dose de situações peculiares.
Apesar do forte contexto político, este é um filme bastante centrado nas suas personagens. Mais que demonstrar a conjuntura politica vivida pelo país, “Persepólis” mostra a forma como as pessoas viveram esses acontecimentos críticos, expondo diversas situações do seu quotidiano. As personagens são reais, são pessoas com quem nos podemos identificar, e põem-nos a pensar o que faríamos se tivéssemos no seu lugar. É bom vermos Marjane a crescer e a aprender a lidar com o que se vai passando na sua vida. O sentido de humor negro e o estilo irónico com que aborda as coisas foi talvez o que a fez ultrapassar cada dificuldade e seguir em frente, e é, definitivamente, o que torna este filme uma comédia, apesar dos contornos dramáticas que o definem. A cena onde ela, depois de passar algum tempo deprimida por um amor falhado, canta a música Eye of The Tiger” voltando a ficar moralizada para seguir em frente, é hilariante. Somos regularmente brindados com pequenas cenas deste tipo, que servem eficazmente para aliviar a parte mais negra e trágica do filme.
Inicialmente, este não era para ser um filme de animação, o que teria sido uma péssima escolha, visto que a animação consegue captar completamente o espírito da banda desenhada. Caso não o fosse, nunca conseguiria recriar certas situações de forma brilhante como o fez. Sem ser demasiado complexa, a animação está bastante bem conseguida, com um design espectacular. Este filme é assim, juntamente com Sin City, 300 e Renaissance, uma das mais fies adaptações ao cinema, no que toca a bandas desenhadas.
Com actrizes bastante experientes como Chiara Mastroianni, Catherine Deneuve e Danielle Darrieux (as vozes de Marjane, a sua mãe, e a sua avó, respectivamente) o filme conta com excelentes interpretações, que dão vida aos variados sentimentos e estados de espírito das personagens. Mastroianni tem a delicada e, ao mesmo tempo, humorística tarefa de cantar a música dos Surviver, Eye of the Tiger. A banda sonora do filme é irrepreensível, sendo constituída por estilos musicais diferentes, que vão deste a música atrás mencionada, a Iron Maiden (muito apreciados por Marjane na sua adolescência), passando por um som “disco” de origem iraniana.
Este é um filme que prova claramente que a animação é um género que não tem apenas como público-alvo as crianças. O conteúdo forte e dramático é prova disso mesmo. Um filme que merece ser visto com atenção, sendo uma lufada de ar fresco no género.